Destruição e Reconstrução: A Lei do Progresso entre o Direito e a Fé

Por Rogério Paz (Advogado e membro da UNIJUC)

A ordem mundial atravessa uma fase inquietante. Guerras, violações de direitos humanos, instabilidade institucional e crescimento da criminalidade colocam em xeque não apenas a eficácia das leis, mas o próprio sentido de justiça e fraternidade. O cenário parece caótico e, em muitos momentos, nos perguntamos: onde está Deus em meio a tudo isso?

Como cristão católico, creio profundamente que Deus, sendo soberanamente justo e bom, não abandona Sua criação. Mesmo o caos, por mais angustiante que seja, pode conter uma lógica superior — a lógica do progresso moral e espiritual da humanidade. E, nesse sentido, a destruição de estruturas injustas, corruptas ou obsoletas pode ser uma etapa necessária para a construção de algo melhor. A reconstrução é um ato de esperança. É também, creio eu, uma lei divina.

A Escritura nos ensina: “Tudo tem o seu tempo determinado, e há tempo para todo propósito debaixo do céu: tempo de derrubar, e tempo de edificar.” (Ecl 3:3). Deus nos chama à edificação constante, e isso inclui as instituições humanas — entre elas, o Direito.

A história do Direito é marcada por rupturas que levaram à superação de sistemas opressores. Um exemplo marcante é a abolição da escravidão. Durante séculos, a escravidão foi legitimada por ordenamentos jurídicos em várias partes do mundo, inclusive no Brasil. Foi necessário destruir esse alicerce de iniquidade para que fosse possível erguer uma sociedade mais justa, ainda que imperfeita. O Direito foi reconstruído para se alinhar à dignidade da pessoa humana — valor que é, para os cristãos, reflexo da imagem e semelhança de Deus em cada ser humano (Gn 1:26).

Outro exemplo está nas reformas do sistema de justiça que buscam garantir maior acesso dos pobres ao Judiciário. A ampliação da Defensoria Pública, as políticas de mediação e conciliação e o fortalecimento de ações coletivas são respostas modernas a velhas estruturas de exclusão jurídica. Essas transformações não nascem do acaso, mas do reconhecimento de que o Direito deve servir ao bem comum — princípio central da Doutrina Social da Igreja.

Em tempos de crise, o papel do jurista cristão não é apenas aplicar normas frias. É discernir, à luz da fé, quais estruturas precisam ser reformadas ou superadas. O Papa Francisco tem alertado sobre os “sistemas que matam” — estruturas legais, econômicas ou políticas que perpetuam a injustiça, a desigualdade e a indiferença. Nesse contexto, o Direito não pode se tornar cúmplice da opressão. Precisa ser instrumento da caridade em sua forma mais concreta: a justiça.

Como ensina São João Paulo II, “não pode haver justiça sem verdade”. E a verdade, quando acolhida com humildade, leva à conversão — pessoal e institucional. Por isso, é legítimo e necessário que as leis, quando se afastam do bem, sejam revistas, destruídas e substituídas por normas que respeitem os valores da vida, da família, da solidariedade e da dignidade do ser humano desde a concepção até a morte natural.

A lei do progresso, inscrita por Deus na própria criação, nos convida à esperança ativa. A queda precede a elevação. A crise precede a reforma. E cabe a nós, operadores do Direito e filhos da Igreja, trabalhar para que esse novo mundo que tanto desejamos seja construído — com os pés firmes na justiça e os olhos voltados para o Céu.