O altar e o tribunal: Intenções da Missa e suas implicações jurídicas

Por Rogério Paz (Advogado e membro da UNIJUC)

O momento das intenções na Missa é um dos mais sagrados da celebração, um espaço para a comunidade depositar seus anseios e preces. Contudo, a liberdade de intenção não é absoluta. Em um contexto social cada vez mais polarizado e judicializado, é fundamental que fiéis e sacerdotes compreendam que algumas intenções, se lidas publicamente, podem ter implicações não só no âmbito da Igreja, mas também no campo do Direito civil.

A Eucaristia, por sua natureza, não pode ser transformada em palanque político, instrumento de vingança ou de julgamento. O Código de Direito Canônico já nos orienta a afastar qualquer aparência de negócio ou comércio na Missa (Cânon 947), e esse princípio se estende para proteger a celebração de abusos de outra natureza.

O perigo da difamação e da honra.

Intenções que buscam a “correção” de um próximo ou a “conversão de um determinado pecado” podem facilmente resvalar para o crime de difamação. Segundo o Código Penal brasileiro, a difamação consiste em imputar a alguém um fato ofensivo à sua reputação. Quando um padre lê publicamente uma intenção como “pela conversão de fulano, que vive em pecado”, mesmo que não especifique o pecado, a comunidade pode fazer associações e suposições que prejudicam a imagem da pessoa. O art. 139 do Código Penal prevê pena de detenção para quem comete esse crime, e o art. 141 aumenta a pena se a difamação é feita em local público ou por meio que facilite a sua divulgação.

O sacerdote, ao ler tais intenções, pode inadvertidamente se tornar o meio pelo qual a ofensa é propagada. É dever do sacerdote, zeloso pela santidade do altar, orientar o fiel a formular sua intenção de forma mais genérica e caridosa, como “pela conversão de todos os pecadores” ou “pela santificação das famílias”, sem expor a honra de terceiros.

Usurpando a competência do Estado.

No caso de intenções de cunho político ou judicial, a Igreja não pode se prestar a usurpar a competência do Estado. Intenções como “pela libertação dos presos de 08/01” ou “para que a justiça seja feita com o político X” podem ser interpretadas como uma forma de pressão pública ou de interferência em processos judiciais.

O Poder Judiciário é o responsável por julgar e sentenciar. Ao tomar partido de forma explícita na Missa, o sacerdote e, por extensão, a paróquia podem violar a neutralidade necessária e acabar por se envolver em disputas que cabem às instâncias competentes. Isso não impede a oração geral por todos os que sofrem a injustiça, por um bom governo ou pela paz social, mas exige que a Igreja se mantenha acima de questões partidárias específicas.

O papel do sacerdote e a proteção jurídica.

O sacerdote é o guardião da Eucaristia e, como tal, tem o direito e o dever de recusar intenções que possam gerar escândalo ou violar a lei. Ele age em conformidade com o Código de Direito Canônico, que lhe confere a autoridade para salvaguardar a liturgia. Ao recusar uma intenção inadequada, ele não está apenas protegendo a paróquia de possíveis ações judiciais por difamação ou calúnia; ele está, acima de tudo, protegendo a Missa de ser usada para fins que a descaracterizam.

É crucial que a comunidade católica entenda que a oração tem o seu poder, mas deve ser feita com prudência e caridade. A Missa é o local para o encontro com Cristo, onde a caridade e o perdão devem reinar, e não o espaço para litígios ou disputas do mundo.