A supressão do pátrio poder. Como chegamos até a Resolução do CONANDA?

Por Alberto dos Santos Guerra (Procurador do Estado de Goiás e membro da UNIJUC)

O pátrio poder tem sido progressivamente suprimido nos últimos anos, refletindo um movimento mais amplo de afastamento dos pais das decisões sobre a educação e o cuidado de seus filhos. Antes que reclamem os especialistas, esclareço que não me equivoquei quanto ao uso do termo, optei por me valer do peso histórico da expressão clássica e não me render à revolução linguística que quer tornar invisível a figura do pai, tão desvalorizada e atacada atualmente. Mas a revolução não é apenas linguística, um de seus elementos mais críticos é o crescente movimento que vê os filhos como propriedade do Estado, percepção que tem ganhado espaço no cenário jurídico e social brasileiro.

Comecemos recordando a Lei Menino Bernardo, sancionada em 2014. O caso ilustra o início dessa tendência. Após a morte de Bernardo, um garoto de 11 anos, a mídia e parlamentares clamaram por uma ação do Estado para proteger as crianças de abusos físicos. A lei inseriu no ECA a proibição de castigos físicos, uma medida que visava acabar com práticas como as palmadas. No entanto, Bernardo não foi morto por palmadas, foi envenenado e enterrado pela madrasta. A tragédia serviu apenas como bandeira para os que pretendiam mudar a cultura brasileira, atacando formas tradicionais de disciplina.

Assim admitiu a deputada Maria do Rosário, quem primeiro trouxe a proposta, reconhecendo que os excessos já eram punidos pela legislação, mas buscava mudar a cultura brasileira ao proibir qualquer palmada como recurso educativo. Apesar de uma modificação que excluiu penas severas como o afastamento do lar, a lei foi um marco da ingerência do Estado na educação familiar.

A seguir, com a tomada de consciência das famílias sobre os inúmeros problemas que envolvem as escolas, ganhou força o movimento em defesa da educação domiciliar e a oposição à Base Nacional Comum Curricular (BNCC), refletindo uma resposta à crescente intervenção do Estado na educação. O modelo de ensino em casa tornou-se popularmente conhecido como alternativa à péssima qualidade de ensino nas escolas, que vem sendo cada vez mais contaminada por ideologias contrárias aos valores recebidos de berço.

Contudo, as famílias homeschoolers se vêem constantemente molestadas por agentes públicos militantes e uma série de obstáculos legais e administrativos. Por fim, agravando o problema, o STF decidiu que a legislação deveria regular o ensino domiciliar, deixando os pais em uma situação de insegurança jurídica. Não satisfeito, o mesmo Supremo Tribunal recentemente obrigou todas as escolas a incluir em seus currículos o ensino da ideologia de gênero.

Além da educação, a pandemia de Covid-19 trouxe outra forma de supressão do pátrio poder com a imposição de substâncias (supostamente imunizantes) obrigatórias para crianças. Durante a crise sanitária, pais foram forçados a submeter seus filhos a medicamentos experimentais, sob pena de sanções como a negação de matrícula escolar ou mesmo a perda da guarda. A pressão do Estado sobre os pais para aceitar tratamentos desconhecidos e, em alguns casos, prejudiciais à saúde, foi mais um passo na perda da autonomia parental.

Em prosseguimento, um dos aspectos mais alarmantes da perda do pátrio poder se revela nas questões morais e de integridade física dos filhos. O crescente movimento em torno da “mudança de sexo” em crianças e adolescentes, com o apoio de médicos e do Estado, tem colocado os pais em uma posição de impotência. Embora muitos lutem para proteger seus filhos de intervenções irreversíveis, o sistema jurídico e político em algumas partes do mundo tem tomado decisões que anulam a autoridade parental sobre questões tão íntimas e decisivas. E, cada vez mais, o Brasil se aproxima dessa realidade.

Mas a supressão do pátrio poder nunca avançou tão claramente quanto na recente tentativa do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (CONANDA) de aprovar uma resolução que permitiria o aborto de meninas menores de 14 anos sem o consentimento dos pais, e mesmo sem seu conhecimento.

Alegam que se trata de uma questão de proteção aos direitos das meninas e que os pais que tentassem impedir o aborto estariam prejudicando a saúde das filhas. Nada é dito sobre a proteção aos mais indefesos: os bebês em gestação, que não podem ser defendidos por seus avós. Os números apresentados pelo Conselho levam a concluir que este desejaria que mais de 63000 crianças não tivessem nascido entre 2020 e 2023.

A justificativa é que qualquer gravidez precoce deveria ser tratada como estupro, o que implicaria na autorização para o aborto. Essa visão distorce a realidade de muitas relações afetivas entre jovens, tratando como agressão qualquer contato sexual que envolva uma menor. Esse não é o espírito do art. 128, II, do Código Penal, que visa minimizar traumas decorrentes de uma conjunção carnal forçada e não servir como método contraceptivo para adolescentes imprudentes.

O impacto dessa resolução seria devastador para as famílias. Pais que desejam proteger a vida de seus filhos, até mesmo contra o aborto, veriam sua autoridade completamente anulada. A proposta do CONANDA os exclui totalmente do processo de decisão, substituindo-os por defensores públicos e profissionais de saúde que aconselhariam a jovem sem a interferência familiar. Médicos contrários ao aborto são ameaçados com todos os tipos de sanções caso tentem apresentar uma visão diferente à confusa mãe.

E assim a sucessiva perda de poder paterno sobre as decisões relativas à educação, saúde e até à vida de seus filhos mostra-se como um reflexo de uma tendência mais ampla de centralização de todas as decisões no Estado, por mais íntimas e pessoais que sejam. O tradicional instituto que corporifica o direito dos pais de cuidar, educar e proteger, está sendo gradualmente minado por uma série de legislações e decisões judiciais que buscam substituir sua autoridade natural. O que restou do pátrio poder? Hoje, parece que a resposta é nada.