A descriminalização do aborto até a 12ª semana de gravidez – Inconstitucionalidade da ADPF 442

Benedito Torres Neto

(Ex-Procurador Geral de Justiça do Ministério Público do Estado de Goiás; Procurador de Justiça do Ministério Público do Estado de Goiás; Ex-Presidente e atualmente membro da União dos Juristas Católicos da Arquidiocese de Goiânia – UNIJUC)

 Resumo; Introdução; 1. A análise da oitiva da professora Débora Diniz sobre a ADPF 442 no STF; 2. As decisões do Superior Tribunal de Justiça e os Direitos do Nascituro Sob a Òtica do Código Civil de 2002; 3. O STF pode editar normas como legislador no presente caso concreto ou interpretará “conforme”a CF/88? E qual a sua limitação?; 4. Normas Jurídicas. Regras e Princípios; 5. Considerações Finais; Referências.

 

RESUMO

Este artigo tem por objetivo analisar a ADPF 442 e o impacto decorrente da possibilidade de do deferimento do pedido nela veiculado. A metodologia consistiu, basicamente, na análise dos fundamentos que antecederam essa ADPF. Nos casos previstos pelo Código Penal, em seus artigos 124 e 128, são excepcionados duas situações: o risco de vida da gestante e o estupro, em vigor desde 1940. Em 2012 houve a descriminalização da interrupção da gravidez(aborto), decidida pelo Supremo Tribunal Federal, por 8 votos a 2, em casos de fetos anencéfalos, por meio da ADPF(Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental) 54, proposta pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde(CNTS), baseando a tese nos seguintes itens: i) dignidade da pessoa humana; ii) autonomia da vontade; iii) direito à saúde; e iv) interpretação do Código Penal conforme a Constituição Federal. E, finalmente a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 442, que trata da legalização do aborto até a 4ª semana, protocolizada pelo partido PSOL, que se posiciona no  seguinte sentido: a) os seres humanos não nascidos, não seriam pessoas constitucionais, mas simples criaturas humanas intrauterina; b) ainda que os seres humanos não nascidos tivessem direitos fundamentais, nem sempre o direito à vida deveria prevalecer em caso de colisão com uma série de direitos fundamentais das mulheres, como a autonomia, a liberdade, a dignidade, o direito ao planejamento familiar, entre outros. Este artigo tem o objetivo de analisar o pedido formulado, em sintonia com a doutrina prevalente, analisando as normas jurídicas (regras e princípios) e o tipos do Código Penal à luz da Constituição Federal.

Palavras-chave: Aborto. ADPF 442.12ª semana de gravidez. Inconstitucionalidade.

 

Introdução

O debate sobre o aborto deve tratar, preliminarmente, sobre a “interrupção da gravidez” no caso da anencefalia, pois muitos a consideram como precedente para o julgamento da ADPF 442, o que é um erro, segundo os fundamentos lançados e prevalentes naquele julgamento.  Com a decisão sobre a anencefalia na ADPF 54, o Supremo acrescentou mais uma exceção de descriminalização do aborto, conforme disposto nos artigos 124 a 128 do Código Penal.  Aliás, mais do que isso, pois a maioria não considerou tratar-se de aborto, pois ali não havia vida. O principal argumento do Supremo Tribunal Federal para autorizar a prática do aborto (ou “a interrupção da gestação”, termo utilizado pela maioria dos Ministros do STF), foi a impossibilidade de sobrevida do feto fora do útero, apesar de dados diferentes apresentados pela comunidade científica. Ou seja, não existe vida possível no caso de anencefalia. Assim entendeu a Suprema Corte. A fundamentação é que a anencefalia é uma grave malformação fetal que resulta da falha do fechamento do tubo neural (a estrutura que dá origem ao cérebro e a medula espinhal). Naquela oportunidade alguns Ministros assim votaram: “O anencéfalo jamais se tornará uma pessoa. Em síntese, não se cuida de vida em potencial, mas de morte segura. Anencefalia é incompatível com a vida” (Ministro relator Marco Aurélio)[1].

Nessa linha de raciocínio, o Supremo Tribunal Federal sempre procurou ressaltar que a Corte não estava autorizando práticas abortivas, mas sim dando à mulher a possibilidade de escolher ou não sobre a interrupção da gravidez em caso de anencefalia.[2]

De modo contrário sustentou o então Presidente do Supremo Tribunal Federal, Cezar Peluso: No caso de extermínio do anencéfalo encena-se a atuação avassaladora do ser poderoso superior que, detentor de toda força, infringe a pena de morte a um incapaz de prescindir à agressão e de esboçar-lhe qualquer defesa”.[3]

Vê-se que o Supremo Tribunal Federal entendeu não se tratar de aborto. A maioria dos Ministros que julgaram a matéria disseram que não havia vida ou possibilidade de vida, portanto não haveria o aborto. Logo, não pode ser procedente para o julgamento da ADPF 442, que não trata de feto com má formação ou sem vida, como na anencefalia. Aqui, ao contrário, são fetos normais de até 12 semanas de vida.

De igual modo, outro precedente é a ADI 3510, citado na ADPF 442, não guarda qualquer semelhança com o aborto, pois naquela Ação Direta de Inconstitucionalidade, que tramitou por oito anos, discutiu-se sobre embriões que nunca seriam implantados no útero materno, ou seja, muito distante de embriões saudáveis no curso de gravidez natural, como se discute na ADPF 442.

Em suma, não servem como precedentes para o deslinde do caso a ADI 3510 e muito menos a ADPF 54, pois o Supremo Tribunal Federal disse não existir probabilidade de vida nessas situações. Em razão desta impossibilidade de ser entendidos por precedentes o caso da anencefalia e dos embriões, o presente artigo centrará na ADPF 442.

A ideia lá contida é descriminalizar o aborto cometido até a 12ª semana de gravidez. Na audiência pública convocada pela Ministra Rosa Weber, relatora do caso, a discussão centrou-se na possibilidade da recepção ou não pela Constituição Federal de 1988, dos artigos 124 e 126 do Código Penal.

  1. A ANÁLISE DA OITIVA DA PROFESSORA DÉBORA DINIZ SOBRE A ADPF 442 NO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. 

Antes da análise Constitucional mais profunda, é importante lembrar a defesa dos argumentos trazidos na tese esboçada na ADPF 442, pela professora Débora Diniz.

A Doutora Débora Diniz[4], na audiência pública no Supremo Tribunal Federal em agosto de 2018, sustenta   que   a pesquisa realizada no Brasil, onde 86% dos consultados são contra o aborto, não contém erro de amostras, nem de coleta de dados, mas de pergunta. Diz que se trata de pergunta inquisitorial e centra o seu raciocínio no fato que a lei penal ameaça de prisão as mulheres. Fala, ainda, na possibilidade de prisão de milhões de mulheres por prática de aborto. Diz, por fim, que o Código Penal brasileiro é ultrapassado e que deve prevalecer a Constituição Federal de 1988 para a elucidação desta matéria.

O ataque proferido pela Professora Débora Diniz sobre a ameaça da lei penal relativa ao aborto, não deve subsistir. O ataque ao Código Penal fere a própria democracia. Não existe sistema democrático sem regras e princípios que normatizem juridicamente a vida em sociedade. Há mais de trinta anos que todos os tribunais do país, incluindo o Supremo Tribunal Federal, decidiram pela recepção do Código Penal. Se assim não fosse, poder-se-ia praticar qualquer tipo de barbárie. A norma penal tem como uma de suas finalidades, justamente, coibir a criminalidade. A ideia das leis penais é justamente essa, a tipicidade é o perfeito enquadramento do fato com a norma penal incriminadora. Com isso, o legislador quer que não ocorram crimes, inclusive o aborto, excetuando a forma permissiva. Quando o legislador tipifica um crime e coloca a sua pena, o objetivo dele é justamente esse, que não se cometa crime ou crimes, aí passamos entender, também, a antijuridicidade, que é o fato cometido contra a norma penal incriminadora. Caso transgrida qualquer das normas penais incriminadoras, a pessoa responderá nos exatos termos da lei penal.

De igual modo, é importante ressaltar que o Código Penal está em vigor, e em consonância com a Constituição Federal.

Também é bom ressaltar que a pena estipulada no Código Penal de 1940, hoje não leva mais ninguém para a cadeia como suscitado. O artigo 124 do Código Penal, no caso de aborto voluntário da mulher, tem como pena a detenção de 1 a 3 anos. Ou seja, em 1940 poderia ter consequências, mas hoje, com a Lei 9.099/95, que trouxe os institutos da transação penal, suspensão condicional do processo e muitas outras penas alternativas, isso não acontecerá.  Com certeza, a prisão poderá se dar por outros fatos criminosos, mas não somente pelo aborto.

Outra inconsistência é dizer que a pergunta formulada na pesquisa, que indagou quem era a  favor ou contra o aborto é” inquisitorial”! Com o devido respeito, tal afirmação é por demais antidemocrática e falaciosa, pois todas as pessoas sabem muito bem o que é o aborto! É sugerir que o povo brasileiro não tenha entendimento sobre o que ocorre. Não há erro na pergunta! Se o questionamento deve indagar sobre a possibilidade de prisão dos que cometem aborto é outra pergunta, já respondida anteriormente.

Assim torna-se mais fácil defender a descriminalização do aborto sob o argumento da prisão, do que o aborto em si, pois essa tem a repulsa de quase todo o país, conforme mostrado pela pesquisa. Daí, o enfoque de descriminalizar é muito melhor e mais palatável do que o enfrentamento puro e simples do tema sobre o aborto. Se uma estrada está bloqueada, o motorista deve procurar outra via desobstruída para alcançar o seu intento. É mais fácil defender a tese da descriminalização do aborto, sob o prisma que tantos milhões de pessoas irão para a cadeia, a manter o sistema penal vigente.

Uma pergunta deve ser formulada: Quantas mulheres estão presas hoje no Brasil pela prática do aborto voluntário, sem reincidência? Essa resposta aniquila o discurso da massificação de presas em caso de aborto.

 

  1. AS DECISÕES DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA E OS DIREITOS DO NASCITURO SOB A ÓTICA DO CÓDIGO CIVIL DE 2002

O Ministro Luiz Felipe Salomão, em seu voto proferido no Recurso Especial nº 1.415.727, ao reconhecer a uma mulher o direito de receber seguro DPVAT, após sofrer aborto em decorrência de acidente de carro, explicou que o Código Civil de 2002 alinhou-se a teoria concepcionista para a construção da situação jurídica do nascituro. Afirmou ainda, que é garantida aos ainda não nascidos a possibilidade de receber doação (art. 542 do CC); de ser curatelado (art. 1779 do CC), além da especial proteção do atendimento pré-natal (artigo 8º do Estatuto da Criança e do Adolescente). No mesmo sentido foi o entendimento do Ministro Marco Buzzi, relator do REsp 1.170.

 Ora, “mutatis mutandis”, a ADPF 442 quer dizer que o direito penal na parte do aborto não recepcionou parte do Código Penal relativo ao aborto. Ao contrário, o Código Civil de 2002, portanto pós Constituição Federal de 1988, reitera o direito a vida, conferindo-lhe, inclusive, a titularidade de direitos da personalidade ao nascituro. Com decisões as mais variadas, corroborados pelo Código Civil (arts 542, 1779) e o Estatuto da Criança e Adolescente (art. 8).

A importância dessa discussão é mostrar que o STJ, reconheceu não só o direito de viver, mas de titularizar direitos e obrigações para o nascituro(aquele que há de nascer).

Caso se reconheça a premissa da ADPF 442, o Código Civil também deveria ter reconhecida toda a sua inconstitucionalidade, o que seria um absurdo.

Se se tratamos do direito da dignidade da mulher, é preciso, também, olhar pela dignidade do nascituro.

 

  1. O STF PODE EDITAR NORMAS COMO LEGISLADOR NO PRESENTE CASO CONCRETO OU INTERPRETARÁ “CONFORME” A CF/88? EQUAL A SUA LIMITAÇÃO?

Voltando ao questionamento, qual o limite da competência do Supremo Tribunal Federal para normatizar esse tipo de matéria? E a legitimidade da criação do direito pela jurisdição constitucional? E quais seriam as técnicas decisórias para a superação de omissões Constitucionais? Ou a interpretação será “conforme” a Constituição, analisando o pedido de recepção do Código Penal, em seus artigos 124 a 126.

Vê-se que, a princípio, caso o entendimento fosse de omissão, como sugere a inicial da ADPF 442, pois quer que o Supremo Tribunal Federal legisle, ao acrescentar a descriminalização do aborto até a 4ª semana de gravidez, matéria sem precedência no Brasil, estaríamos diante de uma sentença aditiva e não, simplesmente, interpretação constitucional admissível conforme a lei. Trata-se de estado de omissão inconstitucional (lacunas normativas que produzem resultados normativos inconstitucionais). Nesse caso, para que isso ocorra, o Supremo Tribunal Federal tem que assumir a posição de legislador positivo e deve se observar o princípio democrático e a independência dos poderes, evitando assim, o ativismo judicial que tanto prejudica a relação entre poderes. Em suma, o que se pleiteia é inserir no rol das exceções relativas ao aborto, a descriminalização, até a 12ª semana de gravidez.

É importante ressaltar que o termo utilizado na interpretação, “conforme a Constituição” é inconsistente juridicamente, nesse sentido Ademar Borges, em artigo onde fala sobre a possibilidade do STF atuar como legislador positivo, destaca:

Ocorre que o problema não está em saber se a interpretação conforme permite ou não a produção de novas normas jurídicas. Evidente que não permite. O problema real consiste em definir, em cada caso, se o pedido apresentado para o STF atue como legislador positivo deve ou não ser admitido à luz da ordem jurídica constitucional.(…) O importante é verificar se o Supremo deve ou não assumir a função de legislador.[5]

Segundo o autor, nas decisões aditivas, o STF origina uma norma, podendo-se, portanto, invadir a esfera de atribuição do poder legislativo.

No mesmo artigo o autor propõe como particularidade e limitação do poder de legislar do Supremo Tribunal Federal, o mandado de injunção, que assim diz: “ conceder-se-á mandado de injunção sempre que a falta de norma regulamentadora torne inviável, o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania ( art. 5º, LXXI). E para a concessão do Mandato de Injunção são necessários as seguintes condições: (i) existência de um direito constitucionalmente reconhecido como fundamental; (ii) não autoaplicabilidade da norma constitucional que consagra o direito; (iii) ausência de norma regulamentadora; (iv) mora legislativa a exceder período razoável de tempo; (v) inviabilidade do exercício do direito.

A proposta do Ademar Borges é por demais substancial, pois o Supremo estaria a limitar essa posição de legislador normativo, nos exatos termos mandado de injunção, o que foi conferido pelo próprio Congresso Nacional, o que seria um parâmetro para deslinde de muitas situações, além de manter a harmonia e a independência entre os poderes.

E, caso tais limitações fossem utilizadas pelo STF, nos exatos termos do mandado de injunção, estaríamos diante de duas condições que não seriam ultrapassadas para a concessão da descriminalização do aborto e consequente provimento do pedido.

A primeira delas seria a ausência de norma reguladora, e aqui ao contrário do que se propaga existe a norma reguladora, pois o Código Penal em seu artigo 128 é cristalino ao prever as situações de exceções de descriminalizações do aborto, sendo apenas duas. A uma, se não há outro meio de salvar a vida da gestante. A duas, se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante. O texto sobre o Código Penal é constitucional, pois existe uma norma expressa, sobre a qual faremos referências adiante.

A outra seria a mora legislativa, ou a fixação de prazo razoável para o Poder Legislativo analisar questão tão debatida. É importante ressaltar que a discussão sobre o aborto é matéria recorrente no legislativo, sendo que por diversas vezes o legislativo discutiu sobre o aborto e não aprovou leis ordinárias para alterar o texto do Código Penal. Ao contrário, a casa legislativa não quer alterar o tema por entender que bastam as descriminalizações já constantes na norma penal em vigor.

Logo o Supremo não tem fundamento jurídico cabível para legislar e normatizar sobre o aborto. É completamente inadequada a intervenção sobre uma possível omissão.

 

  1. NORMAS JURÍDICAS: REGRAS E PRINCÍPIOS.

Vê-se que, no presente caso, vários princípios estão, ou poderiam estar, no debate sobre a descriminalização do aborto. É importante lembrar que até o advento da Constituição de 1988, o nosso direito não aceitava o princípio como norma cogente, logo, apenas as regras detinham o poder decisório sobre qualquer que fosse a matéria. E aqui é importante fazer-se essa distinção, pois o caso apresenta a regra insculpida no Código Penal e princípios inseridos na Constituição Federal. A norma jurídica é o resultado da interpretação de um texto legal, ou seja, texto e norma não se confundem, porquanto esta decorre da atividade sobre aquele. O ex-Ministro Eros Roberto Grau diz:” a norma é o resultado da tarefa de interpretação. Vale dizer: o significado da norma é produzido pelo intérprete. Por isso dizemos que as disposições, os enunciados, os textos, nada dizem o que os intérpretes dizem que eles dizem”[6]. Os doutrinadores debruçaram sobre esse tema, sendo que a divisão das normas em regras e princípios partem de Ronald Dworkin e Robert Alexy.

Para Ronald Dworkin as regras e princípios são semelhantes, tendo em vista que as duas espécies normativas estabelecem obrigações jurídicas. As diferenças, contudo, não seriam os graus – maiores ou menores – de vagueza da disposição, os tipos de diretivas apresentados por cada espécie.[7]

Ainda segundo Dworkin, as regras diferem dos princípios, pois “as regras são aplicáveis à maneira do tudo ou nada. Dados os fatos que uma regra estipula, então a regra é válida, e neste caso a resposta que ela fornece deve ser aceita, ou não é válida, e neste caso nada contribui para a decisão”[8]. Se houver conflito entre regras, então uma delas não pode ser válida e a “decisão de saber qual delas é válida e qual deve ser abandonada ou reformulada, deve ser tomada recorrendo-se a considerações que estão além das próprias regras”. A solução para o conflito, portanto, deverá considerar os critérios clássicos de solução de antinomias, ou seja, hierarquia, especialidade, cronologia.[9]

Os princípios “possuem uma dimensão que as regras não têm – a dimensão do peso ou importância. Quando os princípios se intercruzam (…), aquele que vai resolver o conflito tem de levar em conta a força relativa de cada um”. Os conflitos entre princípios não são resolvidos colocando um como exceção do outro, mas com a realização de um confronto de pesos entre normas.[10]

Robert Alexy esclarece que toda norma é um princípio ou uma regra, e esses dois tipos de normas são diferenciáveis qualitativamente, e não há apenas variação de grau entre eles. Destaca ainda, que o “ponto decisivo entre regras e princípios é que os princípios são normas que ordenam que algo seja realizado na maior medida possível, dentro das possibilidades jurídicas e fáticas existentes.[11]

Os princípios constituem comandos de otimização, caracterizados pela possibilidade de satisfação em graus variados, além de que a medida jurídica de sua satisfação não depende somente das possibilidades fáticas, mas também das possibilidades jurídicas. O âmbito das possibilidades jurídicas é determinado pelos princípios e regras colidentes.

Nota-se que Robert Alexy afirma que os princípios constituem comandos de otimização caracterizados pela possibilidade de satisfação de graus variados. Diz mais, que a medida jurídica de sua satisfação não depende somente das possibilidades fáticas, mas também das possibilidades jurídicas. Relata, ainda, que as possibilidades jurídicas são determinadas pelos princípios e regras colidentes.

Esse ponto é importante para o deslinde do caso em debate, pois não existem regras colidentes no presente caso. No Código Penal, estão inseridos os artigos que tratam do aborto, nos 124 ao 128, sem qualquer conflito entre regras.

Em relação ao princípio, este depende das possibilidades fáticas e jurídicas. No caso em debate, o propositor da ADPF, o PSOL, cita vários princípios: a dignidade da pessoa humana, a liberdade, a saúde, entre outros.

Vê-se que a citação é unilateral, pois não são analisados os princípios que protegem o feto, ou nascituro, contidos na nossa Constituição Federal, quais sejam: o direito à vida e o princípio da dignidade da pessoa humana, maior que qualquer outro, pois aqui fala-se da proteção à vida.

Ainda sobre a parte doutrinária das normas, o professor José Joaquim Gomes Canotilho[12] destacou o sistema aberto de regras e princípios, elencando alguns critérios não exaurientes, sendo eles: i) grau de abstração; ii) grau de determinabilidade; iii) caráter de fundamentalidade; iv) proximidade da ideia de direito e v) natureza normogenética.

Afirma Canotilho que as regras possuem um grau de abstração relativamente reduzida, enquanto os princípios possuem uma abstração relativamente elevada.

Em relação ao grau de determinabilidade na aplicação do caso concreto, as regras estão sujeitas à aplicação direta, e os princípios, por sua vez, exigem mediações concretizadoras, em razão de serem vagos e indeterminados.

O sistema aberto de regras e princípios proposto por Canotilho é em razão destas normas descodificar a estrutura sistêmica, ou seja, permite entendimento da constituição como um sistema aberto de regras e princípios, pois não seria adequado um sistema só com regras ou só com princípios.

Com essa teoria Canotilho quis garantir a segurança jurídica e ao mesmo tempo não engessar os aplicadores da lei e da Constituição.

As regras são normas que estão satisfeitas ou não satisfeitas. Se a regra é válida, então deve se fazer exatamente aquilo que ela determina, nem além, nem aquém. Destarte, as regras são dotadas de determinações no âmbito daquilo que é fática e juridicamente possível.

Os princípios aqui mencionados, são direitos fundamentais, cláusulas pétreas e  limitadores  do poder político.Com isso, visa-se estabelecer determinados direitos e garantias que são protegidos das alterações legislativas, apesar de passíveis de mudança, preservando a sua essência, o seu núcleo.

Segundo Bernal Pulido[13], para se caracterizar um direito fundamental é preciso analisar dois aspectos: a) o formal que diz que o direito fundamental está na Constituição Federal, no capítulo dos direitos fundamentais e em outras partes da própria Constituição; está nos tratado internacional de direitos humanos ou ser reconhecido de fundamental pela suprema corte; e b) o material (integra o rol de cláusulas pétreas) e que deve compor algumas das dimensões da dignidade humana.

Enquanto a dignidade da pessoa humana, segundo Pulido[14] deve compreender: i) direitos básicos da pessoa; ii) direitos básicos da existência; iii) autonomia e iv) reconhecimento.

É o caso! O direito à vida está umbilicalmente ligado a dignidade da pessoa humana.

 

  1. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Conclui-se que há uma discussão de princípios mencionados pelas partes, no entanto aqui, além dos princípios que protegem a vida e da dignidade da pessoa humana, existem regras bastante claras sobre o aborto nos artigos 124 a 128 do Código Penal. Assim, à luz do ensinamento de Alexy, as normas que tratam do aborto estão encaixadas tanto no Código Penal, que são regras claras, quanto nos princípios que protegem a vida e a dignidade da pessoa humana (que é o princípio máximo do estado democrático de direito. Em outras palavras, as regras presentes no Código Penal e os princípios (direito a vida e dignidade da pessoa humana), são normas que se completam, por isso recepcionadas pela Constituição Federal. No sistema de ponderações deve prevalecer o que hoje está tipificado no Código Penal. Não existem lacunas.  Existem regras e normas bem postas e que só podem ser alteradas pelo Poder Legislativo.

Dizer que o Legislativo está sendo omisso sobre a discussão do aborto, também não é verdade. O Poder Legislativo tem discutido essa matéria, mas ela não tem respaldo do povo e nem dos Congressistas, eis a razão pela qual os tipos penais que tratam do aborto estão em vigor desde 1940. De lá para cá já formam três Constituições, a de 1946, a de 1967 (com a Emenda Constitucional de 1969) e a Constituição cidadã de 1988. Nenhuma alterou tais dispositivos legais.

A revista Exame[15], relata que em todo o Brasil foram presas 33 mulheres, todas enquadradas no artigo 124 do Código Penal. Ou seja, quase nada em relação a outros tipos penais. Vê-se que o encarceramento por esse tipo de crime hoje é quase inexistente.

Ora, se a pena para a mulher que comete aborto é de detenção de um a três anos, ainda que condenada não irá para a cadeia, pois hoje existem os cumprimentos de penas alternativas, além da suspensão condicional da pena, dentre outras possibilidades (excepcionando-se as reincidentes).

Diante do exposto, a ADPF 442 deve ser julgada improcedente, pois a Lei 9882 de 3 de dezembro de 1999, tem como objeto evitar ou reparar lesão a preceito fundamental, resultante de ato do poder público. As regras e princípios estão dentro da perfeita legalidade constitucional e infraconstitucional, não necessitando de qualquer intervenção do Supremo Tribunal Federal, nem para interpretar conforme a Constituição, nem para legislar e normatização possíveis situações de omissão dentro do ordenamento jurídico.

REFERÊNCIAS

1 ALEXY, Robert, Teoria dos Direitos Fundamentais, São Paulo Malheiros, 2008.

2 BORGES Ademar, O STF pode atuar como legislador positivo? Disponível em < http://www.ttb.adv.br/artigos/STF-pode-atuar-como-legislador-positivo.pdf>. Acesso em: 18 nov. 2019.

3 CANOTILHO, Joaquim José Gomes, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 7ª ed. Coimbra, Almedina, 2002.

4 DINIZ, Debora. Audiência Pública no Supremo Tribunal Federal, publicado no DCM (Diário do Centro do Mundo), em agosto de 2018.

5 DWORKIN, Ronald, Levando os direitos a sério, São Paulo, Martins Fontes,2002.

6 GRAU, Eros Roberto, Ensaio e Interpretação/aplicação do direito, 4ª ed., São Paulo, Malheiros, 2006.

7 PULIDO, Carlos Bernal. Tradução de Ana Paula Soares Carvalho. In Tratado de Direito Constitucional, Rio de Janeiro. Elvesion, 2014, v. 1, p. 387 – 401

8 www.conjur.com.br.stj – vem –STJ vem reconhecendo nascituros como sujeitos de direito – CONJUR.

9 https://exame.abril.com.br/brasil/33-mulheres-foram-presas-por-aborto-em-2014/>. Acesso em: 18 nov. 2019.

[1]Disponível em <http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=204680>. Acesso em: 18 nov. 2019.

[2] Disponível em < http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=204878>. Acesso em: 18 nov. 2019.

[3]Disponível em <http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=204881>. Acesso em: 18 nov. 2019.

[4]Disponível em http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=385663. Acesso em: 18 nov. 2019.

[5] Disponível em < http://www.ttb.adv.br/artigos/STF-pode-atuar-como-legislador-positivo.pdf>. Acesso em: 18 nov. 2019.

[6] GRAU, Eros Roberto. Ensaio e discurso sobre a interpretação/aplicação do direito, 4ª ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p.27.

[7] DWORKIN, Ronald, Levando os direitos a sério, São Paulo, Martins Fontes,2002, p. 39.

[8] DWORKIN, Op. Cit., 2002, p.42.

[9] DWORKIN, Op. Cit., 2002, p.43.

[10] ALEXY, Robert, Teoria dos Direitos Fundamentais, São Paulo Malheiros, 2008, p. 90.

[11] ALEXY, Op. Cit., 2008, p.90.

[12]CANOTILHO, Joaquim José Gomes, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 7ª ed .Coimbra, Almedina, 2002, p. 160.

[13] PULIDO, Carlos Bernal. Tradução de Ana Paula Soares Carvalho. In Tratado de Direito Constitucional, Rio de Janeiro. Elvesion, 2014, v. 1, p. 387 – 401.

[14] PULIDO, Op.Cit., 2014, p.387 – 401.

[15]Disponível em <https://exame.abril.com.br/brasil/33-mulheres-foram-presas-por-aborto-em-2014/>. Acesso em: 18 nov. 2019.