O temível engano da expressão “aborto legal”.

Autor: Comissão de Defesa da Vida

expressão aborto legal

A expressão pseudo-jurídica aborto legal é um contrassenso, logo se vê. Pois aborto é o nome que se dá a um crime, quando é feticídio, ou seja, quando provocado. Tecnicamente, diz-se que aborto é nome juris do crime. Se é um crime, como pode ser algo legal? Acaso existe crime legal?

No entanto, a expressão “aborto legal” vem sendo popularizada, usada à larga em determinados canais, com vistas a introduzir na população a ideia de que o aborto é legal em determinadas circunstâncias e deve ser ampliado para que possa ser realizada em toda e qualquer circunstância sob a infundada alegação de que a mulher tem direito de fazer o que bem entender com seu corpo, desconsiderando completamente o direito da criança que está sendo gerada no ventre da mulher.

A popularização do termo “aborto legal” em meio a sociedade é muito perigoso, causa um enorme estrago e infeta o pensamento dos cidadãos na medida em que populariza e torna normal a ideia de que assinar fetos não é algo ilegal e imoral.  A partir da difusão da ideia de “normalidade”, àqueles que promovem o aborto passam para o segundo plano, que é trabalhar para ampliar o “rol de possibilidades”, pois, para eles, não é justo que a “legalidade” do aborto paire somente sobre este ou aquele caso, devendo ser ampliado para todo e qualquer caso, para que assim seja assegurado o “direito” da mulher poder assassinar a vida que está em seu ventre.

E por que isso é um temível e perigoso engano? Porque, nas sábias palavras de Josef Pieper, filósofo alemão do século XX, em sua pequena jóia Abuso de Linguagem, Abuso de Poder[1], trata-se de uma verdadeira “propaganda”, que visa promover o pensamento ideológico de um determinado grupo, chegando até mesmo a desvirtuar a própria finalidade linguística das palavras.

Pieper estuda a preocupação de Platão com a violência implicada no desvirtuamento das finalidades da linguagem. Como não se pode transcrever a obra completa neste artigo, destaca-se a seguir o que o autor diz sobre a propaganda, o discurso público e o falseamento da verdade por sofistas: “Servindo à tirania, a corrupção e o abuso da linguagem torna-se mais conhecido como propaganda. Aqui, mais uma vez, embora resumidamente, preciso mencionar Platão e a tradução que se faz de Platão. A maior parte das traduções trazem “a arte da persuasão” nesse contexto. Mas o próprio Platão, no entanto, (em sua Politeia, o grande diálogo sobre a ordem política e social), caracteriza a essência da injustiça como a combinação e a colaboração entre pietho e bia, traduzidos como “palavra persuasiva” e “força bruta”, respectivamente. Obviamente, algo se perde quando as traduções trazem apenas persuasão, lisonja e adulação, pois fica de fora o elemento de ameaça. Mas também aqui, a propaganda mais perfeita atinge justamente isso: a ameaça não é aparente, mas bem dissimulada. Mas, mesmo assim, deve permanecer visível; deve permanecer reconhecível. Ao mesmo tempo, aqueles a quem a ameaça é dirigida devem ser tranquilizados e conduzidos a crer (e nisto está a verdadeira arte!) que, sujeitando-se à intimidação, eles realmente estão fazendo a coisa certa, talvez até mesmo o que eles quereriam mesmo fazer. Tudo isso não está fora de nossa própria experiência. No entanto, a propaganda, nesse sentido, não flui apenas da estrutura oficial de poder de uma ditadura. Ela pode ser encontrada sempre que uma organização poderosa, uma panelinha ideológica, um interesse especial, ou um grupo de pressão usa a palavra como sua “arma”. E uma ameaça pode, é claro, significar muitas outras coisas que não perseguição política, especialmente todas as formas de difamação, ou ridículo público, ou a redução de alguém a uma não-pessoa ___ tudo o que se atinge por meio da palavra, mesmo da palavra não pronunciada. (…) O elemento comum em tudo isso é a degeneração da linguagem em um instrumento de violação. Ela contém violência, embora em forma latente. (…) ‘Os sofistas’, ele [Platão] diz, “fabricam uma realidade fictícia” (g.n.).

Esta, enfim, é a resposta de Platão a sua permanente indagação: o que torna os sofistas tão perigosos?

Os Sofistas, nossos contemporâneos, tem, com voz mansa, mas dentes cerrados, nos tentado convencer, por meio da “propaganda” que acabamos de descrever acima, de que um crime é um “não-crime”, e de que um ser humano não é uma pessoa. E aqui é que temos o efeito mais pernicioso dessa realidade fictícia: a desumanização da vítima.

O jurista Everardo da Cunha Luna, discorrendo sobre o sujeito passivo (vítima) do crime de aborto afirma que “ (…) o interesse do nascituro exige que por nascido deve ter-se o seu titular: o direito penal tutela a vida do homem desde que começa a existir, na gestação”.

Mais preciso ainda seria dizer desde que a vida começa a existir, na concepção, como o faz a Convenção Americana de Direitos Humanos, no seu artigo 4º[2], ao reconhecer o direito à vida do nascituro.

Inclusive, cabe salientar que esta Convenção, também conhecida como Pacto de San José da Costa Rica, foi promulgada pelo Brasil através do Decreto nº 678, de 06 de novembro de 1992, motivo pelo qual, atualmente, possui caráter supralegal, estando acima de todas as Leis e abaixo somente da Constituição da República Federativa do Brasil, que, de maneira completamente harmônica, prevê no artigo 5º[3] que o direito a vida é inviolável.

Percebamos que a Constituição prevê expressamente que o direito à vida é inviolável, não existindo nenhuma exceção e nem abrindo a possibilidade de se darem outras interpretações. A norma é expressa e não necessitaria de maiores discussões se não fossem os Sofistas que tentam dar ar de legalidade ao aborto por meio de suas nefastas “propagandas”.

Mas, então, o que dizer do artigo 128 do Código Penal, frequentemente citado para difundir na sociedade que o aborto, em alguns casos, é “legal”? Em primeiríssimo lugar, que é um artigo da Parte Especial do Código Penal, que traz tão somente a previsão dos crimes e as penas que são impostas, não sendo destinado a prever direitos, ao contrário do ocorre na Parte Especial, que vai do artigo 1º até o 120; não regula atos jurídicos, mas expressa e impõe a repulsa a fatos típicos e antijurídicos (deixando-se aqui de lado o debate sobre serem também culpáveis). Em segundo lugar, de maneira muito importante, o referido dispositivo legal não prescreve que em determinadas situações o aborto será legal, mas sim que não será punido em algumas circunstâncias. Ou seja, o aborto é uma conduta ilícita, motivo pelo qual sempre deve ser investigado pela Polícia Civil.

E outra não poderia ser a previsão legal constante no Código Penal, pois se ele tivesse previsto que o aborto seria “legal” em algumas circunstâncias, teria sido revogado pela Constituição, por apresentar total incompatibilidade com seu artigo 5º, que coloca o direito a vida como inviolável.

Vejamos que se trata de algo completamente óbvio, mas que os sofistas atropelam na tentativa de legitimar sua infundada tese.

Sempre que acontece um crime a autoridade policial deve instaurar um inquérito policial para apurar os fatos e, ao final, se for o caso, proceder com o arquivamento ou enviar para o Ministério Público oferecer denúncia ao Poder Judiciário.

Ou seja, no caso do aborto, sempre que um médico ou qualquer outra pessoa realiza um aborto, ela deverá ser investigada pelo crime que cometeu, sem exceção.

O médico não pode simplesmente praticar o aborto se amparando nos incisos I ou II, do artigo 128, do Código Penal, e se escusar da aplicação da pena. Se ele praticou um ato criminoso, deverá ser investigado pela polícia e se ao final das investigações realmente comprovar que a hipótese em que ocorreu o aborto se encaixa nos incisos I ou II do referido dispositivo legal, a pena deixará de ser aplicada. Caso contrário, o inquérito policial deverá ser remetido para o Ministério Público, que terá a obrigação de oferecer denúncia ao Poder Judiciário, para que assim o médico seja punido na forma da lei. Não há nenhuma dificuldade na aplicação da Lei e nenhum espaço para entendimentos diversos, mas, na prática, a realidade é outra, pois infelizmente as autoridades não agem como a lei determina.

É um procedimento simples, mas, infelizmente, graças a “propaganda”, deixou de ser adotado, fazendo com que os abortos sejam praticados de maneira completamente pacífica, o que é um verdadeiro absurdo. A partir da “propaganda” do aborto legal, amplamente difundida, e da prática reiterada da conduta ilegal e criminosa, deu-se um ar de naturalidade para a prática do aborto, de forma que atualmente tornou-se algo normal e “legal”, graças, especialmente, a o omissão do Poder Público.

Notemos, portanto, que uma prática ilegal e criminosa passou a ser entendida como legal por sua repetição, o que é algo extremamente absurdo. Ora, imaginemos que o homicídio, que atualmente, infelizmente, tornou-se uma prática tão reiterada, deixe de ser investigado a ponto de, no futuro, passar a ser tido como legal pelo fato de não ser investigado, processado e julgado. Se no homicídio é algo absurdo, muito mais é no aborto, onde o ofendido não tem forças sequer para gritar por socorro.

A gravidade da problemática do “aborto legal” não para por aqui, infelizmente, pois, como veremos adiante, o artigo 128 do Código Penal, tão usado e amado pelos sofistas de nossa época, é uma norma que absolutamente foi revogada.

Vejamos que o Código Penal é datado de 1940, a Constituição da República é de 1988 e a Convenção Americana de Direitos Humanos foi promulgada em 1992.

A Constituição da República, posterior ao Código Penal, prevê que o direito à vida é inviolável, motivo pelo qual apresenta total incompatibilidade com o artigo 128 do Código Penal. Este fato, por si próprio, leva o dispositivo legal penal a ser REVOGADO tacitamente, motivo pelo qual desde a promulgação da Constituição da República o aborto, do ponto de vista jurídico, é ilegal e criminoso em toda e qualquer circunstância. Porém, infelizmente, mesmo sendo óbvia a revogação do dispositivo legal, o Poder Público, especialmente pela Corte Suprema, fecham os olhos para tal situação preferindo, por ideologia, tal com os sofistas, propagar a ideia de que o aborto é legal.

Mesmo diante da previsão contida na Constituição, muitos ainda tentam dizer que a Constituição não foi clara ao dizer o momento em que inicia-se o conceito de “vida”, como se a partir da fecundação não iniciasse no ventre materno a geração de uma pessoa humana.

Ora, se a Constituição disse “vida”, sem fazer maiores especificações, a interpretação deste dispositivo deve ser maximizada e não minorado, para que assim se possa garantir da maneira mais ampla possível a inviolabilidade da vida humana. Tanto é assim que o Brasil promulgou a Convenção Americana de Direitos Humanos, também conhecida como Pacto de São José da Costa Rica, que em seu artigo 4º prevê que a vida deve ser protegida desde a concepção.

Ora, se o Código Penal é de 1940 e esta convenção é de 1992, é claro e evidente que, pela hierarquia das normas, o artigo 128 está revogado. É outra questão óbvia e que não dá ensejo para nenhuma interpretação divergente, mas, por ideologia, a Suprema Corte – deixando de aplicar a própria constituição, que deveria ser por si aplicada – prefere aplicar entendimento diverso e desprovido de amparo legal e constitucional para permanecer permitindo a prática do aborto.

Vejamos, de maneira clara e inquestionável, que não existe “aborto legal”. O aborto, sob qualquer prisma, é ilegal, seja (i) pelo fato da lei não utilizar o termo “legal”, (ii) pelo fato de ser uma conduta criminosa, passível de investigação por parte da autoridade policial competente, (iii) pelo fato de estar em desconformidade com a Convenção Americana de Direitos Humanos, o que causa sua revogação tácita, e (iv) por estar em desconformidade com a Constituição da República Federativa do Brasil, que gera, também, sua revogação tácita.

Em seguida, que nem mesmo o legislador original empregou qualquer expressão descriminante. Diferentemente, usou a expressão não se pune. Como também não se pune o furto do descendente contra o ascendente, sem violência, como previsto no artigo 181 do mesmo Código Penal. A expressão aqui usada é isento de pena resulta no mesmo sentido que a expressão não se pune, ou seja, consagra uma escusa absolutória, sem excluir o crime.

 

Cidade de Goiânia, aos 05 dias do mês de setembro do ano de 2017 que procedem ao nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo.

 

UNIÃO DOS JURISTAS CATÓLICOS DE GOIÁS

COMISSÃO DE DEFESA DA VIDA

[1] Abuse of Language, Abuse of Power, 1992 Ignatius Press, San Francisco. Sem tradução em português.

[2] Artigo 4º – Direito à vida

  1. Toda pessoa tem o direito de que se respeite sua vida. Esse direito deve ser protegido pela lei e, em geral, desde o momento da concepção. Ninguém pode ser privado da vida arbitrariamente. (g.n.)

[3] Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (g.n.)